Por: Dr. Gabriel de Assis (Ludovico & Maranhão Advogados)
Desde o advento da pandemia mundial do Coronavirus, uma questão tem surgido entre empregadores e advogados. O empregador pode dispensar o empregado que se recusar a tomar a vacina contra o COVID-19, quando ela estiver disponível? Se sim, seria por justa causa ou não?
Trata-se de um assunto espinhoso, visto que envolve aspectos científicos, convicções pessoais, religiosos e até políticos. Antes de tudo, é importante lembrar que uma questão de saúde pública é também de interesse coletivo e, consequentemente, de segurança do trabalho. Nesse sentido, compete ao empregador zelar pela segurança e saúde de seus empregados, reduzindo os riscos inerentes ao trabalho.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em dezembro de 2020 que a vacinação contra a COVID-19 é obrigatória e que sanções podem ser estabelecidas contra quem não se imunizar, desde que não sejam adotadas medidas invasivas ou coativas. Nessa toada, o empregador tem o direito e dever de conscientizar o empregado a se vacinar, especialmente em razão de sua responsabilidade em manter o ambiente de trabalho saudável e seguro, com guarida na Constituição Federal. Em janeiro deste ano, o Ministério Público do Trabalho trouxe diretrizes acerca do assunto, objetivando apoiar e auxiliar no enfrentamento à pandemia. De acordo com o Guia Técnico, compete ao empregador adotar a vacinação como medida coletiva de proteção, propiciando aos empregados amplo direito à informação sobre o processo de vacinação, inclusive sobre as consequências jurídicas da recusa injustificada, prevendo a possibilidade de dispensa por justa causa. Dessa responsabilidade, surge o dever do empregador em garantir um ambiente de trabalho seguro, o que implica o combate à pandemia mundial dentro de suas limitações.
Segundo alguns especialistas em Direito e Processo do Trabalho, a vacinação pode ser considerada como de interesse coletivo, o que justificaria a dispensa até mesmo por justa causa ao empregado que se recusa a vacinar, isso porque o empregado não vacinado colocaria em risco a saúde dos demais trabalhadores e, portanto, seria dever do empregador afastá-lo, fazendo com que a liberdade individual não prevaleça sobre o interesse coletivo. Há, ainda, a possibilidade de as empresas exigirem comprovantes de vacinação aos seus empregados.
Por outro lado, a dispensa do empregado deve ser analisada com muita cautela, pois ainda inexiste, em nosso ordenamento jurídico, fundamento legal que justifique a justa causa nesses casos, visto que se trata de uma situação atípica e jamais ocorrida até então no mundo moderno. As hipóteses de justa causa previstas no artigo 482 da CLT não incluem tal questão. Por outros especialistas, a dispensa pode ser considerada discriminatória e violar os princípios constitucionais da igualdade e dignidade humana. Cabe ponderar que, antes da aplicação de qualquer medida contra o empregado, o empregador deve demonstrar que adotou medidas preventivas a fim de assegurar a saúde e segurança de seus empregados – desse modo, o empregador tem o ônus de provar que o empregado faltoso descumpriu protocolos sanitários dos órgãos competentes. Além disso, o empregador deve direcioná-lo ao médico para verificar se existe incompatibilidade com as vacinas disponíveis, assegurados o sigilo e a intimidade do cidadão.
No entanto, se o empregado comprovadamente agir em desconformidade com as orientações das autoridades públicas de saúde e de seu empregado, após insistentes oportunidades de vacinação, colocando em risco a integridade física dos colegas de trabalho, entende-se que ele poderá ter o contrato de trabalho rescindido por justa causa. Para sua configuração, é necessário que haja um ato deliberado do empregado em não se vacinar, após diversas orientações patronais e por autoridades públicas no sentido de tomar a vacina.
Portanto, a recusa do empregado em tomar vacina não gera automaticamente a sua demissão por justa causa. É necessária que ele tenha sido orientado de forma clara e objetiva acerca da vacinação, de preferência com existência de norma interna exigindo a imunização, caso em que o ato de indisciplina ou insubordinação, uma vez de má-fé, pode gerar advertência, suspensão em caso de reincidência e, na terceira vez, a dispensa por justa causa, conforme o artigo 482, alínea “h”, combinado com o artigo 158, inciso II, parágrafo único, alínea “a”, ambos da CLT.